terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Tinha uma casa


 Fechadas as janelas
 E arrumados os espelhos
Deixei o pó assentar
nas mazelas
E nos velhos
frisos do tempo
pus fechos.

Marcam-se no chão
as pegadas
meio apagadas,
Achava,
Mas quando se descura
o sotão
Há ainda muitas noites
ao relento
Numa casa
sem sustento.

Presas nas pequenas
e inúmeras caixas
queixosas
Vozes a querer
fazer-se amenas,
Mas as àrvores frondosas
foram com o Outono
e as tão habituais regenerações terrenas.

Sou pequena neste lugar
onde deixou de existir lugar
para a minha fragilidade.
É-se para sempre criança
na lembrança
da felicidade.
E ainda assim gigante
sem orientação ou
idade.

Há também uma parede
que dói;
Um resquício que mói;
A presente realidade,

A falta dos pés descalços
ou das descobertas inocentes.
A idade dos acasos
E dos sorrisos permanentes.

Nestes alicerces,
as minhas histórias:
Arrependidas ou reticentes,
poucas glórias;
Formam-se gentes
que dizem:
Devo fechar portas.

Sou pequena neste colo
onde não existe corpo
para me embalar.
É-se sempre apertado
onde não se pode ficar.
E ainda assim,
de tempos a tempos
Quando a tempo para colmatar
Ao pó voltamos.

Vivemos imersos na ilusão
que ainda existem possibilidades
de o limpar.
Mas as saudades são sempre
um tempo sem forma
nem lugar.

E vou
há uma casa por habitar.



terça-feira, 28 de outubro de 2014

Grande pássaro, pequena gaiola


Há uma idade certa para deixar de se ter idade. Existe um espaço de tempo em que a idade são só dias e anos a passarem. As mãos enrugadas e as asneiras da criança em sépia numa qualquer parte do córtex que mal as lembra – quem disse que eram asneiras? Quando se deixa de se ter idade começa-se a dizer que o que nos antecedeu foi uma asneira. Foram muitas asneiras. Foram outras vidas em que morremos para deixar de ter idade e ter mãos enrugadas e rostos engelhados pelo cansaço de rotinas que achámos que havíamos escolhido.
Não sei qual deles é que me enganou melhor quando me disse que chegara a hora de deixar gritos roucos para trás, umas botas gastas, um cabelo vermelho (quanta excentricidade! repetiam), uma música que me afastava das suas instituições. Não sei qual deles me pôs a idade num total vácuo que hoje quando penso nela as costas doem-me e sob elas debruço-me como se para amparar as primeiras cheias do Inverno, as primeiras árvores a cair à força de uma queda. Só.
A tristeza não vem dos lugares que não conhecemos mas daqueles que conhecemos bem demais para que os abandonemos totalmente. A tristeza vem das luzes apagadas antes de adormecer onde a criança deixou de viver nas ânsias futuras e deu lugar às certezas quase absolutas pelas quais todos se interessam mas que ninguém procura justificar a si mesmo. À sua criança porque a sua criança perdeu-se como se perdeu a idade nos números, mas nunca nas contas e nas taxas e na corrente de regras que nos foram ensinadas para o sucesso.
O sucesso diz-nos baixinho, como que aconselhando-nos, que ele só falará alto quando uma mesa redonda com mais comida do que gente estiver cheia de conversas que não passam de elogios. Mas eu lembro-me de quando eramos quatro. Vou sempre lembrar-me de quando eramos quatro e as lágrimas caíam porque não havia mais nada para cair naquele dia.
Mas eu lembro-me de quando era eu sozinha na banheira lá de casa a prometer que se respirasse fundo podia evitar morrer uma morte tão ignorada. Lembro-me quando a água acaba por esfriar e já era tempo de fazer qualquer coisa por mim quando qualquer coisa era tentar ser sem asas. – Há quem diga que voar é um mal. Como sonhar quando deixa de se ter idade. Principalmente como sonhar quando já não há idade.
A tristeza não vem do presente mas do presente que é já passado em que é impossível viver-se. A tristeza é não correr para o colo da mãe porque já não se tem idade. A tristeza é abafar um grito ou dois, uma lágrima ou uma torrente, uma vida ou as tantas que já se viveram porque um dia vamos precisar de uma mesa cheia de elogios mas vazia de asas. Uma mesa cheia de gaiolas que nos dizem que esta é a idade certa para deixar de se ter idade.

Vou lembrar-me de quando eramos quatro. Vou sempre lembrar-me de quando eramos quatro e eu ultrapassava o tecto de uma casa que era uma casa.

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Os espaços nos teus olhos


 Os teus olhos têm os espaços a que fechei os olhos- puxas-me as mãos e dizes: respira.
 A tua cabeça vira
 e eu sou um milagre a acontecer.
 O reflexo de mim em ti sou eu a viver.

Puxas-me as mãos e dizes: silêncio.
E a tua face desenha-se nas medidas
desconhecidas
da longa espera.
Eterna. - E não és Primavera
És qualquer coisa inventada
para me dizer: respira, comigo podes viver.

Tenho-te nas linhas
nas palmas das minhas mãos
Nas noites mal dormidas
e nas questões que adivinhas,
Tenho-te até na minha solidão
cheia.

Os teus olhos têm o movimento lento
dos filmes que se fazem para falar do amor.
Lamento perdê-los no emaranhado do vento
e cabelo
Ao meu redor.

Mas tu ris e não há importância que
chegue para não importar.
As tuas mãos puxam as minhas mãos
e dizem sem falar:

Aqui, aqui podes ficar.

As lágrimas nunca chegaram,
mas hoje não me importo de as deixar.

Os teus olhos têm os espaços onde me enrolo
e abrigo.
Mal posso acreditar que existe um lugar
onde não há perigo.

As lágrimas nunca foram boa companhia,
mas hoje são sorrisos que já não têm por onde escapar.

E podem, podem ficar.

quarta-feira, 2 de abril de 2014

Ruído de fundo


 Tenho os dedos enrolados em ânsias
  e não sei o que eles querem dizer.
Provavelmente palavras já ditas
 das quais poucos - quase nenhuns - quiseram saber.

Tenho as unhas cravadas em orações
que não sei a que deus dirigir.
Foram tantas as noções que me foram dadas
tanta a vida a emagrecer
Que deixei de me saber digerir.
Disseram-me que mãos dadas
E sorrisos abertos
Eram paz.

Abro as mãos e sorriu muito
E se deus me responde às pobres orações
ele não passa de um pequeno rapaz.

Se nada sabemos
Adormecemos
Como se na almofada a frescura
fosse mais que solução.
Aprendi que a loucura
de saber muito, é também
- e pela mesma razão -
Não conseguir adormecer
E ter os dedos enrolados em ânsias
que não sei o que querem dizer.

Há este excesso de justificação,
-o lixo esquecido e abandonado-
Muitas razões para o que melhor
seria silenciado,
E a subtileza de presunção
que enoja e repugna.






Tenho a vida sepultada
nas questões para as quais não há respostas.
Trago nas costas o peso
de morais já mortas
E na cabeça o ruído de fundo
de um mundo
Feito de modas.

(Eu, tu, ele, nós vós, eles. Somos mais que trapos e posturas tortas.)

segunda-feira, 10 de março de 2014

4 Frases que não se dizem.



 As palavras a que devíamos estar atentos fogem de nós entre as palavras que não nos dizem nada.
 É só mais uma história acerca de uma história da própria História.

 Andamos em círculos e ainda somos capazes de chamar loucos uns aos outros. Não é no centro que está o fogo, é na linha ténue que divide o o gesto da intenção.
 As linhas são invisíveis, mas fazem dançar toda uma nação. (em círculos, fechados.)

segunda-feira, 3 de março de 2014

Aos que amo, I


I.

Lamento estar ausente
num lugar do presente
Que não é presença nem
Divagar.

Lamento estar ausente;
Ninguém o lamenta
mais
do que o meu olhar
sem lugar para pousar,

(e com mil lugares a encherem um espaço que não existe para encher, atafulhar.)

Lamento, pequena, estar imersa
absorta num mundo
de moeda reversa
e aceitação perversa.
Que te conheças no fundo
Antes que por semelhança
ele te esmoreça
E te não apagues, por favor
no defunto
que é a história já feita.

(e por fazer. Sempre morrendo antes de viver.)

Lamento, colo e mão, estar dormente.
Não conseguir ser menos doente
Neste mural de justiças
inventadas,
Palavras bem aperaltadas
de fatos e gravatas.
Sei o que te dói
como se no ar perfume,
E por maior carícia ou
sorriso,
Nada extingue o lume.

(de um arder que é verme com dentes. Que come e faz lixo e deixa o lixo onde nada mais pode ser. - cinzas.)

Lamento
Se me apago, quando me apago
lentamente
E digo: o mundo vai
acabar.
Se em cada silêncio me
afasto
E em cada tentativa
acabo por me desintegrar.

Lamento não saber mais do que lutar.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Movimento perpétuo do desespero


O meu pé não pára. É a incessante incerteza de que tudo é incerto ainda antes de eu saber que é a incerteza.
O meu pé não pára porque eu preciso de parar. - o ritmo de sempre, o ritmo a fugir, o ritmo a fugir do ritmo a fugir de fugir de fugir de lugar para lugar sem sair do lugar. E eu a mãos com uns olhos que beijam paredes de cal suja e lábios que secos se recusam a enfrentar mais um dia de Inverno.

 A minha cabeça não pára. É a realização súbita de que não me posso tão somente desligar de mim, tão somente deixar-me entre os lençois quando deixo os lençois ou uma sala quando deixo uma sala. A realização súbita de que não estou sozinha, mas estou sozinha, sou eu e eu e eu e eu e não sei quem mais sou eu a não ser que sou um pé que bate no chão e só sabe que é o estômago a doer, e uma cabeça a ter ideias brilhantes que não iluminam porque negras.- Todas as grandes ideias são negras. Todas as grandes ideias são acerca da verdade e por isso, negras - É o pé a bater no chão. Os pés a bater no chão e a melodia do cancro a crescer em superfícies côncavas e convexas a que não chegamos porque antes labirintos que casas quadradas e bem decoradas.

O corpo não descansa, mãe. O corpo dobra-se e desdobra-se para chegar e incluir, mas o corpo não descansa. Como o teu braço te dói, como a vida te dói na cor escura da pele, como as palavras te doem nas palavras amargas que te conheço e deposito uma ideia que não és tu, numa desculpa, mãe. - Eu sei essa dor, mãe, esse eterno desespero por um sono que seja um sono que seja não só o descansar das pernas agora que posso, o descansar dos olhos porque tenho tempo, sei esse desespero por limpar os córtex direitos, esquerdos, centrais. Por apagar as enxaquecas agudas e os cortes sem querer que passam a ser grandes para algo que é sem querer.   Tudo o que é grande passa a ser sem querer, por isso estar aqui e não saber, por isso ter pernas e cabeças que não páram e não saber.
Só não saber. Mas eu sei mãe, eu sei de que é feito um corpo que é feito de cansaço - Por isso te agarro como se fosse morrer e não morro, mas morro, e isso é estar cansada.








São neologismos a mais, tretas dessas que nos dizem para nos descansar quando chegamos a casa e a casa deixa de ser casa e nós não sabemos o que é aquilo. A sensação de vazio a apagar os conceitos bem definidos que levámos anos a aprender, a sugar-lhes o significado porque tudo nos toca, tudo nos toca e desgraça e nos parte e tudo nos toca. E há as lágrimas mais as lágrimas não são lágrimas, são as descobertas feitas e as descobertas feitas dizem-nos que somos guerra até em terreno neutro. Dizem-nos que há sangue a correr como nas veias, sangue a fazer bater o pé, a fazer a cabeça girar, a tornar o corpo cansado. Mãe, o meu sangue coagula porque não quero lutar mais. Mãe, o meu sangue são as descobertas feitas quando não te disse Mãe tenho medo e agora não posso ter mais que medo. Agora não posso dizer Mãe, tenho medo e agarrar-te como se fosse morrer, porque não morro, mas morro e morro e a minha cabeça e o meu pé não páram. Não páram. Não. Páram. Mãe.