Há uma idade certa para deixar de se ter idade. Existe um
espaço de tempo em que a idade são só dias e anos a passarem. As mãos enrugadas
e as asneiras da criança em sépia numa qualquer parte do córtex que mal as
lembra – quem disse que eram asneiras? Quando se deixa de se ter idade
começa-se a dizer que o que nos antecedeu foi uma asneira. Foram muitas
asneiras. Foram outras vidas em que morremos para deixar de ter idade e ter
mãos enrugadas e rostos engelhados pelo cansaço de rotinas que achámos que havíamos
escolhido.
Não sei qual deles é que me enganou melhor quando me disse
que chegara a hora de deixar gritos roucos para trás, umas botas gastas, um
cabelo vermelho (quanta excentricidade! repetiam), uma música que me afastava
das suas instituições. Não sei qual deles me pôs a idade num total vácuo que
hoje quando penso nela as costas doem-me e sob elas debruço-me como se para
amparar as primeiras cheias do Inverno, as primeiras árvores a cair à força de
uma queda. Só.
A tristeza não vem dos lugares que não conhecemos mas
daqueles que conhecemos bem demais para que os abandonemos totalmente. A
tristeza vem das luzes apagadas antes de adormecer onde a criança deixou de
viver nas ânsias futuras e deu lugar às certezas quase absolutas pelas quais
todos se interessam mas que ninguém procura justificar a si mesmo. À sua
criança porque a sua criança perdeu-se como se perdeu a idade nos números, mas
nunca nas contas e nas taxas e na corrente de regras que nos foram ensinadas
para o sucesso.
O sucesso diz-nos baixinho, como que aconselhando-nos, que ele
só falará alto quando uma mesa redonda com mais comida do que gente estiver
cheia de conversas que não passam de elogios. Mas eu lembro-me de quando eramos
quatro. Vou sempre lembrar-me de quando eramos quatro e as lágrimas caíam
porque não havia mais nada para cair naquele dia.
Mas eu lembro-me de quando era eu sozinha na banheira lá de
casa a prometer que se respirasse fundo podia evitar morrer uma morte tão ignorada.
Lembro-me quando a água acaba por esfriar e já era tempo de fazer qualquer
coisa por mim quando qualquer coisa era tentar ser sem asas. – Há quem diga que
voar é um mal. Como sonhar quando deixa de se ter idade. Principalmente como
sonhar quando já não há idade.
A tristeza não vem do presente mas do presente que é já
passado em que é impossível viver-se. A tristeza é não correr para o colo da
mãe porque já não se tem idade. A tristeza é abafar um grito ou dois, uma
lágrima ou uma torrente, uma vida ou as tantas que já se viveram porque um dia
vamos precisar de uma mesa cheia de elogios mas vazia de asas. Uma mesa cheia
de gaiolas que nos dizem que esta é a idade certa para deixar de se ter idade.
Vou lembrar-me de quando eramos quatro. Vou sempre lembrar-me
de quando eramos quatro e eu ultrapassava o tecto de uma casa que era uma casa.