sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Faz dias que não durmo.




 1.Não sei o que se passa. - Aqui. Ali. Não sei o que se passa na distância em que não se passa nada. Nem a respiração por trás de todos os ruidos que já não existem, os olhos escancarados a procurar evidências que não são evidentes. Que nunca hão-de ser evidentes porque são nada. Nada se passa na distância,  na distância e o vazio em que se perdem as vontades e as palavras - Porque se perdem na surdez do eco que formam. Porque, na distância onde nada se passa, passa agora apenas um pó que brilha entre raios de sol estáticos. - Como nas fotografias dos bons fotógrafos.
(e se não formos mais nada, ao menos somos uma boa peça de arte que ninguém vê. Nem nós. - Somos portanto peça de sotão de que já ninguem se lembra - Nem nós.)
E afinal na distância em que não se passa nada passa-se exactamente nada - como se nunca se tivesse passado. Só distância que não interessa.

2.Eu roo as unhas como quem rói o tempo - a impressão de o comer de repente sem pensar na espera que vem depois. Eu roo as unhas como quem roi o medo do inevitavel e ainda assim o sabe como sabe a meteorologia para o dia seguinte - Deixo que a adivinhem por mim e espero que eles tenham razão.
(Mas a chuva cai sempre que deixo a sombrinha em casa.)
Eu sei melhor o que não quero saber e por o saber procuro as respostas que em nada se pareçam com a minha. - Tão idiota! Tão idiota, repito, como se de repente uma luz (que sempre esteve acesa) acendesse e na minha frente estivesse o meu corpo debruçado. (Quantas vezes tens acordado ultimamente?)
Sobre quê? - Aqui não há janelas, nem varandas. Aqui não há portas nem sofás. Aqui há apenas a distância estática que nada move. E eu debruço-me. Sobre as perguntas que rodeiam a certeza das nunca respostas por uma cobardia que irrita. Que faz que te roa juntamente com as unhas e te coma, juntamente com o tempo.
( e te faça quase nada no tão tudo que empurro goela abaixo, como naco de carne indesejada por tão desejada)



3. A minha mãe diz sempre que vai correr tudo bem. Diz que há tempo e que tem de haver paciência, se quero que tudo corrra bem. A minha mãe, ela diz que eu tenho matar metade do que sou, para que continue a ser.
E a minha mãe, agora, parece ter razão. Como tem razão quando diz que é preferivel varrer o chão antes e limpar o pó depois. É uma questão de lógica.
Mas quando a minha mãe diz que vai correr tudo bem, ela não diz que o coração vai ficar bem. Ela não diz que tem de haver coração. Ela diz que tem de haver força ( e eu que sempre pensei que de um nascia o outro e vice-versa)
A minha mãe diz que não posso amar tudo, e eu continuo a amar tudo. Ela diz que não quer que eu morra, mas que eu tenho de morrer para não amar tudo.

(mas eu já morri. Tantas vezes, eu já morri a cada palavra em que lhe dizia que o que mais quero é viver.)
E a minha mãe, ela diz que um dia vai tudo ficar bem. Tudo? Qual tudo mãe? - Eu não sei do que preciso.
Irei saber, mãe? - É esse o ponto em que tudo fica bem. 

Eu preciso de andar, penso eu quando estou sossegada. Eu preciso de parar, apercebo-me, quando me começo a mover. 
Então mãe, o que é suposto eu fazer? 
E ela diz para que sempre que eu quiser andar, ficar quieta e sempre que quiser descansar, para lutar um bocadinho mais. Ser mais teimosa. Com um sorriso. Morrer. Com um sorriso. 
(Mas os sorrisos são máscaras e mãe, eu prefiro o som da minha força a desvanecer por entre os suspiros de resignação que tu não ouves, e eu não oiço e ninguém ouve.)
A minha mãe diz que um dia vai tudo ficar bem. E eu acredito nela como acredito na previsão metereológica.


4.A distância não interessa. E nela não interesso eu, e reflicto, talvez já nem interessas tu. E não interessa o facto da minha mãe dizer que vai ficar tudo bem. - O nada interessa agora como matéria de estudo que nunca vai ser estudada, porque o nada amedronta. Chateia e desilude, como chateia terem comido a última das tuas bolachas favoritas ou não haver chocolate em casa. Desilude como desilude a própria desilusão. Como ela dói - Agarra o peito a mil metros de altura e lança-o com um baque seco contra o chão, até o comprimir. Até o bloquear. 
 Eu tenho medo do nada, por isso não o movo - Só para não ter a certeza que é ele mesmo. 
Tu não o moves porque tens a certeza que é ele. Tu moldaste-o de forma a que eu não me movesse.

 E assim morrermos os dois - Tu mais perto da vida, a cada dia.


5. Um dia vou ficar sem dedos. Sem mãos, sem braços. Um dia vou ficar sem pele e todos me vão odiar porque a beleza foi embora. - E porque, ups, enganámo-nos, as entranhas são mais nojentas que interessantes. Nesse dia, deixa-me onde estou porque decerto engoli-me para te não engolir a ti.


6. Eu tenho procurado pelas chaves. Sempre que quero fechar a porta, elas desaparecem. Eu fico com medo quando é noite, porque os monstros saem (sabes? Aqueles! Aqueles que se escondem atrás de olhos castanhos e cabelo encaracolado. Aqueles, com que vivo e tu não sabes.) e durante o dia eu não quero deixar entrar a luz. 
Por vezes, eu também quero fechar as janelas. Para conseguir dormir.
Mas as chaves, essas putas finas, elas não aparecem. - E eu penso no diabo e na forma como ele se deve estar a rir de mim. Aquele filho da mãe!
A minha mãe diz que a culpa é minha. A minha mãe diz que quando eu tenho a chave, eu não quero fechar a porta. E é por isso que ela diz que as coisas não podem ficar bem agora.

Porque eu nunca consigo fechar a porta quando tenho a melhor oportunidade de o fazer efectivamente.
(Mas nunca, nunca, facilmente.)

7. Podes dizer-me o que se passa? -  Não, tu não vais conseguir hoje. E não vais conseguir amanhã e eu vou deixar de perguntar. Vou convencer-me de que não se passa nada e esse nada é a distância que tinha de ser ainda antes de o ser. - Não sabíamos nós?
Tenho saudades tuas - que palavras feias. Que palavras tão feias para serem ditas assim, no meio do nada.

O nada é mais bonito. Agora. Como a distância. 
Porque o nada é silêncio e a tua face fechada. O nada és tu a não sorrir e eu a esquecer-me de como sorrias. O nada és tu sem seres nas piadas parvas, e eu a esquecer-me o quanto as piadas parvas me faziam rir. Eu a esquecer-me, eu a esquecer-me, eu a esquecer-me. E a evocar-te só para me esquecer. 
Tenho saudades tuas - eu a esquecer-me.
Podes sorrir, só um bocadinho? - eu a esquecer-me.
Podes dizer-me o que se passa? - eu a esquecer-me. 

E eu vou deixando de perguntar em silêncios de distância. Porque talvez a distância estática do nada seja o que a minha quer dizer quando diz que vai ficar tudo bem.

(se é assim, porque é que dói tanto fechar a porta, quando tenho as chaves?)


 



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