domingo, 22 de dezembro de 2013

Este Natal...


É incontável a quantidade de perguntas feitas durante um dia. Dois dias. Uma semana. Um mês, anos inteiros, uma vida toda. São como segundos, quando vêm já foram, mas são segundos quase eternos porque perenes em arranhões e feridas. As perguntas deixam feridas. Deixam espaços abertos, infectados de medo que paralisam o corpo se não esquecidos do que significa não ter o corpo paralisado.
São incontáveis, as perguntas e tanto quanto incontáveis são erradas. Não porque não têm resposta, mas porque a pergunta em si não é a certa. Não questiona o que deve questionar, não abana o que deve abanar, não choca o que deve chocar. É por isso que estamos em guerra constante mesmo quando não estamos em guerra - Porque as perguntas não são suficientemente violentas.
Não é engraçado. Não é engraçado que precisemos de violência para percebermos que a violência é algo de que não precisamos. É uma cadeia, assim, como a forma como disse violência para violência, precisamos para precisamos. É uma cadeia de falta de perguntas de outras cabeças e não da nossa. Porque a nossa cabeça é nossa e ingenuamente acha que nos conhece e quando acha que nos conhece lembra-se de nos forçar a querer reinvindicar o direito à veracidade de tudo o que digo. - O que é a veracidade?, e esta pergunta é daquelas que deviam ser feitas. Mais do que ser feitas, é daquelas perguntas que deviam demorar-se na resposta porque não é o conceito da resposta que importa, são os actos dele resultates ou dele resultados que devem importar.
O que é a veracidade? - São imagens. Imagens paradas e talvez por paradas insuficientes - E nós queixamo-nos. Sobe-nos ao nariz a mania da humanização pessoal e dizemos: Eu não tenho que aturar esta violência. Eu não tenho que suportar este choque visual. Eu não tenho que, não quero que, não posso que...Eu não sei que. - Este é o maior que de todos, e ainda assim nunca é explicitamente pronunciado.
Eu não sei que, é humildade. - Talvez por isso não seja dito, talvez por isso não seja, sequer, pensado. Eu não sei que.
Eu não sei o quanto sofrem pessoas que sofrem muito. E há pessoas que sofrem muito - por não existir, por existir demais.
A veracidade é principalmente a nossa mania de fazer as perguntas erradas e de aceitar as respostas cómodas. - As pernas são pesadas quando a consciência é pesada e a economia dá jeito quando já nada nos pode salvar. - Tenho uma novidade para ti, que lês isto: nada nos pode realmente salvar. A partir do primeiro segundo em que respiramos até ao último, nada nos vai salvar.
Podes encher-te de diamantes, nadar em rios de ouro. Podes usar as melhores marcas, viver no mais luxuoso castelo, usar as fragrâncias mais encantadoras que nada disso que tens te vai salvar. Nada disso que tens te vai servir de barco para o céu. Já paraste para pensar se existe um céu? - Aqui, muitas vezes, parece o inferno.
Aqui, muitas vezes, parece mais do que o inferno porque não é mera criação ou conceito. Aqui morre-se porque existe quem mata. Aqui morrem-se muitas vezes antes da última respiração. Aqui morre-se principalmente por se querer viver demais. Por se querer ser demais e não se perceber que somos aquilo que fazemos e não o que utilizamos para decorar a casa. Fica bem, decorar a casa. Parece brilhante e bonita. Tanto quanto fica extremamente bem decorarmo-nos e apetrecharmo-nos e usarmos palavras que não conhecemos o significado e lutarmos por abolições que não nos dizem nada.
O mundo tornou-se um desfil de moda gigante, uma passerele para fazer sonhar, mas nessa passerele nem todos têm lugar cativo - Há aqueles que não sonham porque a noite é lugar de monstros e não de uma cama quente e aconchegada.
 Gostamos de dizer e de ouvir "Não há muito que se possa fazer..." porque permite-nos dormir em paz nessa cama quente e achonchegada. Permite-nos ser amanhã o que fomos hoje, e ontem. E no ano anterior. Ou deverei dizer ter? - Mas nesse caso têm-se sempre mais.
 Hoje queria dizer-te a ti, que lês isto, que as teorias são coisa pouca para se saber. Que existem imagens que te vão enganar e tu vais aplaudir e outras que te vão mostrar a natureza humana com os dentes afiados e tu vais rir-te e fazer troça. Vais dizer que é dramatização. Queria dizer-te que vivemos num campo de batalha que não pára de acontecer e evoluir e que nos ataca acariciando-nos. Não, não vives num conto de fadas, não vives numa telenovela portuguesa e possivemente nem tudo vai terminar bem. - Abre os olhos.
Antes de pedires o último ipod, iphone, computador. Antes de te vangloriares pelo preço da tua camisola, das tuas botas, da tua casa de férias, do teu carro. Antes de apoiares aqueles que matam, que com palavras devastam vidas e corações e memórias. Antes de te quereres mostrar aos outros. Abre os olhos e mostra-te a ti mesmo - Estás orgulhoso? Consegues sorrir agora? - , tira de ti o que é a mais em ti e não te decores.
Olha para as tuas marcas e as tuas cicatrizes e o que dói e levanta a cabeça.
Tu, que estás a ler isto, quando foi a última vez que te disseram obrigado por simples palavras, por uma mão aberta por um sorriso mais aberto, pela disposição? Quando foi a útima vez que a tua pergunta foi a correcta?
São imagens paradas, a veracidade. Imagens que ignoramos porque nos questionam acerca de nós mesmos. Há ainda muito que fazer, somos todos tão incompletos e andamos com o rei na barriga a pensar a quantidade de poder que nos dá parecermos completos. Mas é na fragilidade que está a base humana, para lá da violência. É na fragilidade que se perde tudo se muito se tem.
É incontável a quantidade de perguntas que conseguimos ignorar durante uma vida inteira, a quantidade de respostas que oferecemos a nós mesmos como panos quentes que não nos salvam de nada, a quantidade de luzes que nos ofuscam e que deixamos que nos ofusquem.
Este Natal desejo para ti coragem de fazer as perguntas correctas - E a coragem de ouvir as respostas inesperadas.

O mundo é um campo de batalha contínua - Fica do lado de lá das trincheiras. E se as quiseres ultrapassar, que seja para perceber o que é morrer e não para ajudar a matar.

Feliz Natal.

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