quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Da convivência com o diabo.


É ele que dorme aqui - eu não tenho culpa.
É ele que respira muito fundo e te suga e te enrola e te devolve mais tu - tu não tens culpa.

Não. Quão difícil é dizer não? Não vou falar mais contigo, não tenho que te contar, mais. Mais, porque não há mais tu e não é só ele e as desculpas não são bonitas nem são feias, são só desculpas. Qualquer coisa feita para encher um espaço que não devia ser cheio por elas - qualquer coisa que não serve, qualquer coisa que existe para nada.
Existes em mim para nada - há muito vazio em ti e em ti não posso existir eu porque há palavras que tenho que dizer, e perguntas que tenho para fazer e sorrisos muito extensos ou bafos muito longos. - Existes em mim para nada e como desculpas que és tu e são elas que são tu não serves.
E não é ele que dorme aí, porque eu conheço-o e ele é em mim e em mim é violência que não te dói na pele que usas como casaco porque a tua pele é mais casaco que pele - Está frio; o teu frio é desculpa. A coragem é sair nu em plena rua e olhar nos olhos de quem não sabe olhar nos olhos porque o frio é desculpa. Usam casacos.

É violência em mim e violência em ti e violência em nós animais e nós mais animais que os animais - Focinhos arreganhados que dizem "o amor é cuidar", focinhos franzidos que dizem "deixa-me amar", garras apontadas ao coração a dizer "Deixa-me tocar-te". - O toque. O toque que é violência quando no seu extremo quer guardar, que não é o mesmo que cuidar que não é o mesmo que amar. Amei e deixei à deriva porque era à deriva que queria ser deixado - Somos todos selvagens se não aprendermos que o somos. Somos todos selvagens quando clamamos racionalidade. E  a racionalidade é a maior armadilha e não se adivinha e não se pode saber. ( ri-te atrás dos meus ombros desnudos, ri-te atrás dos meus olhos abertos, ri-te, ri-te, ri-te como se fosses enlouquecer)

É violência em mim, saber que és nada, agita-me e deita-me à lama e aos lobos que são as minhas mãos  nos meus ombros a dizer: Em baixo é mais cómodo. Em baixo, as risadas dos palhaços que não se sabem palhaços e se pensam idolatrados. - Idolatrar; querias-me como se querem razões para o ego. Mas eu sou razões para se chorar e se esquecer que a vida é máscara e tu tens frio. Mais nada - nada a dizer. E a primeira vez do meu silêncio a confortar é a última vez do teu silêncio a ser violência e desculpas para me entreter.

Como quem diz: Estou cansada de ti. Como quem diz: preciso de me sentar em frente da televisão e passar canais para me esquecer. - Passar canais para nao te ver a não ser. Não é o que custa mais? Ver alguém a não ser. E estou cansada de ti e preciso de me sentar em frente da televisão e ela é pouco e é violência daquela que rasga e substitui por plástico e eu quero pele para aquecer. Só pele.

Não. Engole-se mais facilmente quando vem de outra língua e é chapada - Ninguém gosta da loucura, quanta loucura há na mão que descura o próprio rosto!! Ah, se ao menos tu soubesses quão senil é mostrar dentes contra a carne e não ter uma razão.
Ninguém gosta da loucura, mas na mão que arranha a própria  palma a loucura é mais sã.
Não, tenta enfiar a tua voz na tua garganta e sente-te sufocar - Há mais razões em nós para o auto-ódio, basta que te conheças. - E nunca, no fundo, conheces ninguém que não tu. - E tu?E tu, tu?...és só pele e mais que pele. Tens mãos que te arranham pernas e braços e coração se pudesses, e coração.

Mas a violência é o que se esconde debaixo da roupa e dentro da garganta e por baixo das unhas e ao lado da razão. Na mão que toca uma face que é tua e que te revira na oração - A esperança a ser metáfora e a metáfora é mentira bonita. Procura um ponto de reconhecimento num reflexo contrário e o reflexo é já mentira antes de ser. A violência a ser beleza para entreter, e as tuas razões a despirem-me do que sou porque dá jeito eu não ser.
Não. NÃO. n-ã-o. - enche-te de casacos e deixa-me ver televisão.

É ele que dorme aqui - eu não tenho culpa. Não aceita um não como desculpa. Fala-me destas coisas que falam de ti e é como se dissesse: não aceites a violência por cuidado. Não cantes a quem se ri, se ri, se ri.
É ele que respira muito fundo e te suga e te enrola e te devolve  mais tu - Tu não tens culpa. Não aceitas que exista mais que casaco a servir de pele e palavras que não gargalhadas enlouquecidas.

É ele que dorme aqui no cerne mais sabedor que posso perceber: o diabo como conselheiro e desde que sei o diabo, aprendi a não o ser.





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