domingo, 29 de dezembro de 2013

Chaga


Era no centro do fogo. No âmago da confusão.
Era no lugar onde ninguém quer estar mas onde estamos todos, pés com pés, costas com costas, vidas com vidas, sem querer saber que estamos. - Estamos cheios de medo. Estamos cheios de medo e o silêncio não são mãos a acariciar-nos a nuca; o silêncio são grilhões que nos restringem os movimentos. Estamos cheios de medo e não é dos grilhões, é dos movimentos que não fazemos. (Dos que fizemos compulsivamente.)

Era no centro do fogo. No lugar de arder sem existir retorno.
Era no não existir retorno que encontrava a razão para arder - um final definitivo, vagaroso, alucinado sem voz, um descanso no vácuo do descanso do corpo de tudo. - Era no não existir retorno que abraçava o centro do que não era só fogo mas era eu a arder lentamente, a querer queimar vísceras a querer queimar pele a querer queimar ligações neuronais que já não dizem muito porque falam tanto, falam tanto, tanto. Dizem delas o que não sabem como se não fossem eu, empurram puxam arranham arrepelam - dizem delas e elas são mais que eu. Era no centro do fogo, na quietude de arder sem movimentos compassada pelo agitar repentino do que é ter medo dos movimentos que não fazemos. -Estender braços. Tocar levemente. Sentir a pele áspera na ponta dos dedos feridos do frio. Sentir que estender os braços, sentir que sentir a pele áspera não chega. Há uma barreira que nos separa; chama-se nós.

Era no centro do fogo. Nas cinco da manhã a mãos com uma insónia.
Era numa cama de lençóis enrolados e na falha da capacidade de distinção entre o céu e o inferno - nas cinco da manhã somos mais nós. Somos mais os monstros que não nos deixam ser; dentes que mordem os próprios lábios, que não páram, que não deixam respirar não deixam mover não deixam de morder até ao gosto do sangue. É ali. No sangue. É no sangue que o fogo começa, devagarinho a levantar-se: todo o sistema vital básico a provocar-te a morte.
Era no centro do fogo, no sangue que não conseguimos ver derramado mas que enamoramos dramaticamente como que encantados com a tristeza da ordem com que fomos criados - Onde está Deus?








No centro do fogo. No silêncio que são grilhões que é medo. Deus não está nas cinco da manhã a mãos com uma insónia. - Oiço-lhe apenas as gargalhadas.
Era no centro do fogo. Vai ser sempre no âmago da confusão.

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