sábado, 26 de outubro de 2013
Agora Não
Podias ter dito - Agora não. Em alguns casos, tantos tantos, é necessário dizer agora não. Podes nem ficar aqui, sentadinha no sofá à esquerda, entretida a ler o que quer que seja que te entretenha e te deixe sair, mas podias ter dito agora não. - E te deixe sair.
Te deixe ir embora por momentos, porque tu queres sempre ir embora dizes que nem sabes bem para onde.
Sempre achei que era uma questão de andares um pouco, passeares, quem sabe veres as flores no jardim ou só o sol, ou só chegar perto da janela (teres a certeza que o mundo se move, mesmo que tu não), mas afinal tu não me falavas de lugares. Tu nem me falavas, deixavas-me assim a adivinhar pelo teu sono em demasia e pelas tuas lágrimas escondidas que encontrava entre papéis amarrotados, contas por pagar, ou gatafunhos desses que deixas para não te deixares a ti.
E eu adivinhava, adivinhava-te a voz cheia de energia, a voz a querer esconder a voz que se te entalava na garganta como surpresa atrás das costas - Deixa-me ir embora de mim.
E depois precisava de parar uns momentos para perceber que a tua voz de criança não era a tua voz a dizer deixa-me ir embora de mim. Era a tua voz a dizer-me - Não me faças mais perguntas.
Podias ter dito agora não. Mas não dizias nada e eu adivinhava-te com a certeza de que um dia perceberia os teus contornos e que a surpresa que escondias com tanto afinco me surpreendesse.
Era urgente. - Espera, espera só, é urgente. Não mo dizias mas eu podia vê-lo nos teus braços que tinham a maior força do mundo para todo o mundo, menos para ti. E por isso ali estavas, ali ficavas, ali eu adivinhava e perguntava - Porque é que é urgente? Onde é que é urgente?
Porque do teu corpo ancorado no meu, do teu corpo cravado no meu, do peso da tua não força a fazer força na minha percebia só que existia um lugar qualquer em que era urgente. Só aí havia lugar, onde era urgente.
Deixa-me ir embora de mim - entalado na tua garganta, a esmagar-me os membros (por me agarrares, por nao te agarrar o suficiente), a esmagar-te contra todos os lugares para que podias ir. - Nenhum lugar chegaria, sem palavras, era urgente e nenhum lugar chegaria.
E eu. Eu aqui, nunca sentada no sofá à esquerda, nunca sossegadinha porque tu. Porque a tua urgência. Porque. Só porque.
E porque bastava-me até calares - Deixa-me ir embora de mim.
Diz-me o que fazer. Onde pôr os braços - como é que te tiro se não te escangalhar, estragar toda? Como é que te salvo sem te condenar? - onde pôr a cabeça, o que agarrar em ti, o que afastar em ti, onde pôr a vida.
-Dentro do bolso, bem escondida - e era a tua voz de criança e nunca de criança e eu não sei de qual delas tinha mais medo.
Podias ter dito - Agora não. Mas deixaste-me adivinhar e agora, és real ou de brincar?
O que é que te dói, és daquelas perdidas ou dás para consertar? - Queria, queria tanto. Podes tirar-me a cabeça e colocá-la no lugar? - Podias ter dito, agora não.
Mas para ti era o sofá à minha esquerda, a expressão fechada, sossegadinha, entretida a ler.
E eu a precisar de parar para perceber onde é que andava essa tua voz que me morria nos braços quando a tua não força me queria fazer morrer a mim. Eu a precisar de parar para não te deixar ir embora de ti, sem querer.
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