quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Sobre o brilho, um


 Não sabes
 Mas eu já gastei
os suspiros.
 Noutras vidas
 E noutros abrigos,
que deixavam passar a chuva.
E nos abismos que
abres
Entre o que sei ser e para ti serei
Passas sempre desenhando uma linha
Curva
Sem me tomar nas provas já tidas.

Se te tivesse que falar
Sobre o que em mim está
mal,
Dir-te-ia
Que sou sobretudo pouco nítida
Nos contornos
E desencontrada nos encontros
Que tornam os dias mornos.
Falar-te-ia de como se pode cair
Nos meus olhos castanhos,
Tão habituados a danos
E a abraçar estranhos
(tanto que os torno queridos)
Mantendo os braços caídos.

Os meus dedos não se estendem
E as minhas mãos não se abrem
E com as palavras toco
A fugir do que os teus olhos sabem.
Fechados em profecias que não adivinho
E em história longínquas
de sentido oblíquo
Que embebedam tanto quanto vinho.

Pés que se trocam
estaticamente
Enquanto a postura
te mente
E o que se sente
Fique girando como fumo disperso
A dissolver o medo do apego.

Não sabes
Mas eu já gastei o choro
Noutros lençóis e
noutros ombros
E por isso não te deixo
Visitar
Os escombros
Desses temporais intensos.
Não sabes
Mas as pequenas marcas na tua pele
São campos imensos
De uma só constelação
Com estrelas como faróis.

Nos teus ossos
Anzóis,
Sangram-me os dedos
em alegorias que me embalam.
Pudera eu contorná-los
Sem medos,
Cada centímetro um metro
de caminho para fugir.
Cada canto um lugar
A encurralar.
Nos teus ossos,
os meus ossos a querer descansar.

Não sabes
Mas eu já gastei
a calma da minha cintura
a ser só cintura
E do meu peito
a ser só peito
E das minhas pernas
a serem só pernas
E dos meus pulsos
a serem só pulsos.
E hoje tudo é ansioso,
ruidoso no seu cerne
E pela manhã que antecede
as marcas negras são soluços
E mossas eternas
na minha armadura.

Se te tivesse que falar
Sobre quando me senti certa
Dir-te-ia
que vivi sempre a sufocar
Mas enrolada na tua voz
Consegui respirar.

Queria que soubesses:
Tens o brilho que não se pode,
 só porque é a vontade,
Gastar.







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