segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Movimento perpétuo do desespero


O meu pé não pára. É a incessante incerteza de que tudo é incerto ainda antes de eu saber que é a incerteza.
O meu pé não pára porque eu preciso de parar. - o ritmo de sempre, o ritmo a fugir, o ritmo a fugir do ritmo a fugir de fugir de fugir de lugar para lugar sem sair do lugar. E eu a mãos com uns olhos que beijam paredes de cal suja e lábios que secos se recusam a enfrentar mais um dia de Inverno.

 A minha cabeça não pára. É a realização súbita de que não me posso tão somente desligar de mim, tão somente deixar-me entre os lençois quando deixo os lençois ou uma sala quando deixo uma sala. A realização súbita de que não estou sozinha, mas estou sozinha, sou eu e eu e eu e eu e não sei quem mais sou eu a não ser que sou um pé que bate no chão e só sabe que é o estômago a doer, e uma cabeça a ter ideias brilhantes que não iluminam porque negras.- Todas as grandes ideias são negras. Todas as grandes ideias são acerca da verdade e por isso, negras - É o pé a bater no chão. Os pés a bater no chão e a melodia do cancro a crescer em superfícies côncavas e convexas a que não chegamos porque antes labirintos que casas quadradas e bem decoradas.

O corpo não descansa, mãe. O corpo dobra-se e desdobra-se para chegar e incluir, mas o corpo não descansa. Como o teu braço te dói, como a vida te dói na cor escura da pele, como as palavras te doem nas palavras amargas que te conheço e deposito uma ideia que não és tu, numa desculpa, mãe. - Eu sei essa dor, mãe, esse eterno desespero por um sono que seja um sono que seja não só o descansar das pernas agora que posso, o descansar dos olhos porque tenho tempo, sei esse desespero por limpar os córtex direitos, esquerdos, centrais. Por apagar as enxaquecas agudas e os cortes sem querer que passam a ser grandes para algo que é sem querer.   Tudo o que é grande passa a ser sem querer, por isso estar aqui e não saber, por isso ter pernas e cabeças que não páram e não saber.
Só não saber. Mas eu sei mãe, eu sei de que é feito um corpo que é feito de cansaço - Por isso te agarro como se fosse morrer e não morro, mas morro, e isso é estar cansada.








São neologismos a mais, tretas dessas que nos dizem para nos descansar quando chegamos a casa e a casa deixa de ser casa e nós não sabemos o que é aquilo. A sensação de vazio a apagar os conceitos bem definidos que levámos anos a aprender, a sugar-lhes o significado porque tudo nos toca, tudo nos toca e desgraça e nos parte e tudo nos toca. E há as lágrimas mais as lágrimas não são lágrimas, são as descobertas feitas e as descobertas feitas dizem-nos que somos guerra até em terreno neutro. Dizem-nos que há sangue a correr como nas veias, sangue a fazer bater o pé, a fazer a cabeça girar, a tornar o corpo cansado. Mãe, o meu sangue coagula porque não quero lutar mais. Mãe, o meu sangue são as descobertas feitas quando não te disse Mãe tenho medo e agora não posso ter mais que medo. Agora não posso dizer Mãe, tenho medo e agarrar-te como se fosse morrer, porque não morro, mas morro e morro e a minha cabeça e o meu pé não páram. Não páram. Não. Páram. Mãe.




Sem comentários:

Enviar um comentário